sexta-feira, 8 de maio de 2015

Resenha Semanal

Por Soraya Goulart


PAULO E ESTÊVÃO: EPISÓDIOS HISTÓRICOS DO CRISTIANISMO PRIMITIVO

Ficha Catalográfica: EMMANUEL (Espírito), psicografado por XAVIER, Francisco Cândido. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira (FEB), 2006.

Preço na Livraria YVONNE DO AMARAL PEREIRA: R$ 40,00





Impossível resenhar o livro “Paulo e Estêvão”, um dos mais belos de toda a literatura espírita, tamanha a sua grandeza, sobretudo de ordem espiritual. Daí a opção por abrir os comentários apresentando (ou relembrando) a obra de Caravaggio (1571-1610), denominada “A Conversão de São Paulo”, óleo sobre tela com 230x175cm, 1600-1601, até hoje exposta no teto da Igreja Santa Maria, na Piazza del Popolo, em Roma.
O corpo caído de Saulo, com o capacete e as armas depostos, o cavalariço segurando o animal, ambos de cabeça baixa a observarem-no com os olhos tapados (em referência à transitória cegueira), a luz que vem do alto, como em amparo aos braços abertos num pedido de socorro, a queda como símbolo da nova etapa que se seguiria. Tudo, absolutamente tudo, faz lembrar a célebre pergunta (gesto de entrega) e resposta (gesto de pacificação), logo após o episódio em que Jesus se mostra a ele na estrada de Damasco: “Banhado em pranto, como nunca lhe acontecera na vida, fez, ali mesmo, sob o olhar assombrado dos companheiros e ao calor escaldante do meio dia, a sua primeira profissão de fé. – Senhor, que quereis que eu faça?”, indaga. “– Levanta-te, Saulo! Entra na cidade e lá te será dito o que te convém fazer!...,” respondeu o Senhor (pp. 244-245 – At. 9: 6).
Tamanhas belezas, da história e da pintura, são quase que intraduzíveis.

Por ter nascido em Tarso, Saulo estava “armado” com as qualidades de duas culturas diferentes: as de cidadão romano, conhecedor da cultura grega, e as de judeu, que lhe permitiram tornar-se doutor da lei. Dono, portanto, de rica cultura e de total respeito às leis judaicas, surpreende a sua assombrosa determinação de afirmar-se seguidor de Jesus. Mesmo atordoado, levanta-se do chão, física e simbolicamente, liberta seus servos e segue, praticamente só, o seu destino ao encontro de Ananias.
Em outras palavras, tal como os grandes heróis modernos, Paulo é dotado de força descomunal, resultante de conquistas espirituais já adquiridas e forjadas pelos erros e acertos cometidos. Já convertido a cristão, ao mesmo tempo em que se arroja em tarefas sobre-humanas também possui a fragilidade do homem comum, diante das grandes questões da vida, o que o aproxima de todos aqueles que desejam imprimir obediência às leis divinas em seus cotidianos, mas que, por vezes, se desviam dela: “Estava só, sem parentes, sem amigos, sem dinheiro. Pouco antes daquela resolução de partir no encalço de Ananias, não vacilaria em decretar a morte de quem profetizasse o futuro que o esperava. Sua existência, seus planos, estavam transformados nos detalhes mais íntimos. Que fazer agora?” (p. 286).
Papel fundamental também o de Jeziel, convertido com o nome de Estêvão. Primeiro mártir do cristianismo, ele é apedrejado a mando de Saulo, que, por pouco, não se tornara seu cunhado, ao pedir Abigail em casamento. No momento de sua morte física, Estêvão finalmente reencontra a irmã e, ao invés de lhe endereçar palavras de desamor, abençoa-lhe o casamento e profetiza o futuro: “Cristo os abençoe... Não tenho no seu noivo um inimigo, tenho um irmão... Saulo deve ser bom e generoso; defendeu Moisés até ao fim... Quando conhecer a Jesus, servi-lo-á com o mesmo fervor... Sê para ele a companheira amorosa e fiel...” (p. 196).

Desde então, Estêvão passa a ser o mentor espiritual de Paulo, cumprindo uma missão de amor junto àquele amigo. “Não podia definir aquele estado espiritual, mas o caso é que dali por diante, sob a direção de Jesus, Estêvão conservava-se a seu lado como companheiro fiel” (p. 321).São várias as histórias paralelas à principal – a conversão de Saulo em Paulo –, numa sequência de viagens, da Ásia à Grécia, a fim de levar a todos as mensagens inovadoras do Cristo acerca do Evangelho de amor e de perdão, da imortalidade do Espírito e da concepção de Deus como Pai. Pedro, Marcos, João, Tiago, Lucas, Barnabé... todos estão retratados em “Paulo e Estêvão”.


Primeira e segunda viagens



Terceira viagem e viagem do cativeiro



Talvez Caravaggio tenha conseguido captar, no jogo entre sombras e cores fortes, tamanha jornada atribuída a um homem 100% dotado das mais comuns características humanas. Vê-se registrada na tela desse artista a velha crença cedendo lugar à transmutação de um ser vingativo em Apóstolo dos Gentios, cuja postura humilhante, jogada ao chão, remete a importante questionamento: O que fazer, hoje, diante da luz da Verdade e dos impositivos do que se “convém fazer” em contraste com a penumbra íntima?

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