domingo, 22 de novembro de 2015

RESENHA SEMANAL

Por Soraya Goulart



DÁ-ME DE COMER: A ASSISTÊNCIA SOCIAL ESPÍRITA

Ficha Catalográfica:
Dá-me de comer: a assistência social espírita: SIMÕES, Pedro. São Paulo: Edição CCDPE / LHIPE, 2015.
Preço na LIVRARIA YVONE DO AMARAL PEREIRA: R$ 50,00.

Dá-me de comer, de Pedro Simões, é um exemplo belíssimo da nova geração de livros de cunho científico e espírita que têm chegado ao mercado neste século XXI, através das Universidades (Academia). Ao contrário dos livros ditados pelos espíritos (psicografia), muito comuns no século passado, os atuais são fruto da pesquisa (teoria) e da trajetória profissional (prática) dos seus escritores, num processo de acúmulo de conhecimentos e de reflexões, que une os legados da Doutrina Espírita a determinado campo do saber – no caso aqui específico, o Serviço Social e a Sociologia.
Simões discute o “modo espírita” de fazer assistência, amparado na leitura da Doutrina e de teóricos reconhecidamente aceitos, a fim de elucidar se existe uma “coerência” entre a proposta e a forma de atuação (p. 22). Ressalta a importância das Federações Espíritas (Brasileira e Estaduais) no trabalho de imprimir-se um padrão de assistência social no País.
Os primeiros questionamentos voltam-se para um ponto primordial: “Por que a população assistida não é atendida por profissionais com qualificação específica para os fins sociais? Por que se concebe que qualquer pessoa pode atuar na área da assistência social?” (p. 27) – perguntas concernentes a quaisquer atividades que se querem produtivas, independente da área de ação, e que remetem às bases de um novo ponto de vista sociopolítico-cultural que permeia a contemporaneidade:

A assistência social moderna não é tão somente uma forma de ajuda entre aqueles que têm para aqueles que não têm. Ela envolve uma forma de garantir a integração social evitando a dissociação, ou seja, criando vínculos. (...) Neste momento, a assistência não está relacionada, exclusivamente, à existência da pobreza enquanto tal, ou seja, de indivíduos com menos recursos do que exigido pelo seu tempo, mas à necessidade de a sociedade ter de oferecer, pela primeira vez, uma resposta social para o desamparo de uma quantidade cada vez maior de indivíduos” (SIMÕES, 2015, p. 43).

Com isso, Simões coloca em cheque o “individualismo” intrínseco a certos programas sociais e, em contrapartida, chama atenção para a existência de outros parâmetros que não o da lógica do favor (paternalismo e tutela).
Em geral, a inserção do voluntário no serviço assistencial se dá pelo desejo de “ajudar”, de “fazer a caridade”, entendida em seus dois sentidos: o material e o de exercício do amor, abarcando termos como “inclusão, promoção, cidadania, direito”. No discurso espírita, assistência e caridade estão claramente relacionadas:

A diferença que as separa está em que, entre os religiosos, além da ação de auxílio, amparo, promoção, elevação do ser, que envolve a assistência, há também o viés religioso que associa à ação os sentimentos de amor, dedicação, ‘sentimento puro’, renúncia, dedicação ao próximo, entre outros. Esse é, exatamente, o caráter religioso da assistência social espírita, uma vez que os elementos que a compõem não são passíveis de se traduzirem em salário: aqueles que operam profissionalmente a assistência social são pagos para executarem um trabalho técnico, o que subentende uma ‘neutralidade’ de valores (p. 169).

O livro traz um levantamento praticamente completo de todas as segmentações envolvidas no trabalho social espírita: traça o perfil dos trabalhadores e dos participantes; apresenta os documentos doutrinários (programas e serviços) que regulamentam as ações; descreve tanto as atividades institucionais quanto as assistenciais; lista fontes de financiamento e de possíveis parcerias para encaminhamentos (Conselho Tutelar, hospitais, Escolas etc.).
Enfim, nada fica de fora nessa análise profunda do tema, o que o torna imprescindível para todos os que se oferecem em trabalho dentro dos Centros Espíritas, independente da área. É uma desconstrução de teorias repetidas “no automático”, que não mais condizem com as novas demandas do mundo contemporâneo.
“Fazer assistência social e espiritual não é o mesmo. É possível associá-las e os espíritas procedem assim. No entanto, o fazem sem a clareza de distinção entre ambas. A demanda por questões sociais refere-se a elementos que a vinculam à pobreza e aos vínculos sociais. (...) Os assistidos que chegam às casas espíritas buscam recursos para as suas necessidades materiais, não para sua fé (p. 231)”, esclarece Simões, apontando contradições que reproduzem comportamentos paternalistas, além de providenciarem um “apaziguamento” de consciências que desejam a própria “salvação”.
Como todo cientista político, Simões evita emitir juízos de valor, no sentido de dizer o que “serve” e o que “não serve”; contudo, ao dissecar procedimentos e contradições, possibilita aos que militam no campo do social fazerem uma autoavaliação para redirecionarem ou não seus objetivos.
Se Jesus disse “Não somente de pão viverá o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus”, qual seria a razão do título do livro? Ela surpreende pelo ineditismo da abordagem! Mas esse ponto só será elucidado por aqueles que se dispuserem a romper amarras e se aventurarem em páginas tão profundas quanto saborosas!

Boa leitura a todos!

Nenhum comentário:

Postar um comentário